segunda-feira, 6 de abril de 2015

4° dia - Tui a Redondela

Saímos de Tui com o céu ainda escuro. 5h48 no horário português, mas já eram 6h48 na Espanha. A jornada seria longa (32 km) e sair mais cedo significa menos tempo com sol quente. Aquele seria um dos trechos mais cansativos em função da distância, das subidas e descidas, e do nível de atenção com a sinalização traiçoeira. A temperatura era razoável, 12°C, quase sem vento. Mas a impressão era que estava mais frio. Muito mais frio.

Nos primeiros quilômetros tivemos pouco a admirar. Além da escuridão e da ausência de iluminação pública em alguns trechos, mesmo na cidade, estávamos mais preocupados em encontras as setas amarelas. Foi aproximadamente 1,5 km pelas ruas de Tui e nas proximidades do Minho e mais 1 km por trilhas com muita escuridão, usando lanternas.

Quando o dia começou a clarear, a preocupação era outra. Caminhávamos numa rodovia, mesmo quase sem movimento, andar pelo acostamento (quando ele existe) é motivo de tensão. Aproximadamente 3 km trocando de rodovias. Depois, viram algumas trilhas com alguns córregos (pouco mais de 2 km) e uma cidadezinha.

Já passava das 9h e não havíamos passado por nenhum tipo de comércio aberto. Para piorar, na véspera, um Domingo de Páscoa, tudo estava fechado em Tui. Não levamos muito para comer. Apenas o que veio conosco de Ponte de Lima (maçãs e um queijo curtido) e tabletes de rapadura (do Brasil). Paramos para comer numa espécie de parque, onde havia uma fonte, uma mesinha, churrasqueira e muito frio.


Após passar pelos trechos em rodovias, uma bela trilha. 
Nosso ponto de para do café da manhã foi em frente a essas cruzes.

Parada para descanso e reposição de energias



Ponte romana.
Saindo de lá, entramos numa mata e o cenário começou a ficar mais bonito. Mas aí veio algo muito chato, mas para o qual, felizmente, eu já estava preparado. Há mais de uma ano eu vinha lendo sobre a passagem no polígono industrial de O Porriño. Trata-se de uma região onde se fazia a caminho por uma longa rodovia reta, cheia de caminhões, em meio a indústrias, sem nenhuma sombra. Por ser desagradável e perigoso, as associações ligadas ao Caminho traçaram uma nova rota que amplia a distância, mas se afasta da rodovia pouco depois do km 8 a partir de Tui. Só que os comerciantes locais, obviamente, não gostaram e insistem em apagar as setas que indicam o desvio e pintar outras que acintosamente indicam o caminho da zona industrial.

Cartaz no albergue de Ponte de Lima
O GPS foi externamente útil nessa hora. As associações também distribuem cartazes nos albergues anteriores indicando onde se deve ter atenção. Mas, como a indicação das cidades é precária, o caminhante tem grande chance de passar batido quando aparece um monte de setas apontando para seguir reto e não entrar pela mata numa bela trilha. Nós acertamos e orientamos outros dois peregrinos.

Para quem quer ter uma ideia de como não errar, tenha em mente o ditado popular: "Quando a esmola é demais, o santo desconfia". É comum, ao longo da caminhada, encontrar setas a cada cem a quinhentos metros. Há pontos com quase um quilômetro sem setas. Mas a aproximadamente 1,2 km dos cruzeiros onde paramos para o café, há um ponto em que a quantidade de setas é muito superior ao normal. Aliás, não são só setas. Há dizeres em inglês (this way) e outras línguas tentando convencê-lo a seguir em frente, quando o certo e entrar numa trilha que fica à esquerda do asfalto. Em um espaço de uns 50 metros devo ter visto mais de 20 setas. Aquilo chamou muito  minha atenção (infelizmente, não fiz fotos desse ponto). As setas corretas haviam sido pintadas de preto.

Seta pintada de preto

O marco em pedra indicava a trilha correta e a seta foi pintada
de preto. Outras setas (falsas) induzem o peregrino a voltar. 

Marco oficial quebrado pelo comerciantes locais


A partir da entrada na trilha, o que veio pela frente foram uns quinhentos metros de setas tentando nos induzir ao erro. Os comerciantes não se conformaram em pegar alguns peregrinos desatentos. Eles tentam fazer com que, mesmo os que conseguiram acertar a trilha, a deixem e sigam pela rodovia. Eles quebraram marcos de pedra, apagaram setas e pintaram outras mesmo dentro da mata. Lamentável.


A trilha por fora da zona industrial é um muito bonita. Quase sempre margeada por um riacho, com pelas pontes de pedra e, em alguns momentos até por dentro de riachos rasos. Nada que ultrapasse o dedão do pé. A bota ajuda nessa hora. São aproximadamente 5 km na trilha (poucos metros de asfalto). Ao fim, voltamos e entrar num asfalto e encontramos um bar aberto e reforçamos o café da manhã.
Indicação do bar ao fim da trilha

Bar onde tomamos nosso (segundo) café da manhã.

Mais um trecho em acostamento
Aí, os comerciantes da zona industrial começam a atrapalhar novamente. Mesmo aqueles que já ultrapassaram a pior parte são induzidos a mudar seu rumo VOLTANDO para a região, já próximo do km 15. Novamente orientados pelo GPS, tomamos o caminho correto e seguimos pelo que parecia uma pista de cooper ao longo de um rio. Tudo muito bonito.
Setas erradas. Abaixo da palavra "way" possível ver a mancha preta que cobre a seta verdadeira.

Até a seta em baixo relevo foi modificada

Entrada do parque por onde fizemos pouco mais de 2 km da nossa caminhada.


Entrada de O Porriño. Mesmo ali há setas vandalizadas.
Região central de O Porriño
 Seguimos naquele cenário até a entrada da cidade de O Porriño. A cidade conta com muitos serviços. Havia um bom albergue por lá,  mas era cedo para parar. A sinalização não é muito clara na entrada e saída da cidade. Passada a região central de O Porriño, seguimos caminhando por ruas residenciais, laterais à rodovia.




Saída de O Prorriño
No km 21 as setas sugerem que se ande pelo acostamento da rodovia, mas preferimos utilizar um trecho paralelo indicado como Via Romana. Pouco depois a trilha que seguimos encontrou novamente a rodovia no exato ponto onde há uma indicação de sair da estrada para entrar em uma pequena cidade.
A partir daí é subida. No início, muito leve, quase imperceptível. Passamos por um albergue que não aparecia nas nossas indicações (sem  indicar ao certo o nome).

Já havíamos caminhado quase 25 km. Pensamos em parar. Na porta, havia um telefone para se ligar e alguém viria abrir. Mas ainda estávamos sem sinal celular na Espanha (desde a saída de Tui),  e seguimos em frente. Subindo em ziguezague pelas ruelas de vilas. Sabíamos que viria uma subida grande pela frente. Paramos para um lanche e descanso, no meio da rua mesmo.



Mas o caminho surpreende, e o que seriam 200m  de altitude (segundo nossos mapas) ultrapassaram 300m. Nada como a Labuja, mas cada seta que apontava para cima também gerou gargalhadas. Começa com um calçadão muito íngreme, seguido uma subida pouco menos íngreme em asfalto. Em um trecho de 1,5 km paramos três vezes, sendo apenas uma delas em um bar (na verdade, o restaurante de um albergue na vila de Mós).

Início da subida de Mós
Terminada a subida, era hora de descer até nosso ponto final, Redondela. E a decida foi a mais comprida e ingreme da caminhada. Pelos dados do GPS, descemos os 100 primeiros metros numa inclinação bem razoável, entre sítios,  ruas de casas e um pelo parque. Ao fim do parque, uma ladeira de testar qualquer joelho e de maltratar as bolhas nos pés.



Foram mais de 150m descidos em pouco mais de 1km. A vista do vale é linda, mas o medo de escorregar ou de se machucar atrapalha curtir o momento. Àquela altura, as bolhas incomodavam muito. Eram poucas, mas começavam a tomar a almofada de um dos pés.

Apear disso, nosso ritmo não caiu muito (de 6 para 5 km/h). Um grupo de jovens portugueses passaram por nós, e nós por eles, ao longo da subida e da descida. Eles reclamavam muito dos pés. Em um trecho de reta, sem inclinação, passamos por eles. Dessa vez, já havíamos retomado nossos 6 km/h e eles mal andavam à metade da nossa velocidade. Foi quando escutamos: "vão devagar. Há radar à frente". Um daqueles jovens desistiu da caminhada naquele dia. Exatamente o que fez a piada.

Terminada a decida, chega-se a Redondela. Depois de 9 horas e trinta minutos de caminhada, percorremos 35,31 km (o segundo maior percurso da caminhada, mas sem o cansaço do primeiro dia), e entramos no albergue às 16h21.

O albergue está relativamente bem sinalizado (ao menos para os padrões espanhóis). É um pouco melhor que o de Tui em alguns aspectos (tem tomada para carregar os celulares, um cozinha pequena, mas bem equipada), mas peca em outros (não tem uma lavanderia, apesar de contar com máquina de lavar). Tomamos um bom banho, lavamos nossas roupas e fomos andar na cidade.

Entrada de Redondela.
 

Albergue de Redondela
Gostamos de Redondela. Exploramos pouco, mas nos agradou bem mais que Tui. Organizada, com belas praças e muita gente na rua. Difícil foi encontrar o que comer, mesmo depois da sesta (que termina por volta das 17h). Mas encontramos um bom lugar. Compramos nossos chipes espanhóis para celular, comida para o dia seguinte e voltamos para o albergue. Nossos pés estavam muito bem, se comparados aos dos demais peregrinos. Vimos muitas agulhas furando bolhas, reclamações e algumas desistências.

Roteiro do dia no Sports Tracker
Arquivos para GPS utilizados na caminhada nos formatos GPX e KML (fonte: Camino Torres).

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